3 de novembro de 2009

Claude Lévi-Strauss


Lévi-Strauss, 28/11/1908 - 31/10/2009


Não posso dizer que sinto profundamente a morte de Lévi-Strauss.
Todos morrem um dia. E a expectativa da morte aumenta proporcionalmente aos anos vividos; chegar aos 100 anos é mais do que nada, esperar dia após dia o último dia. Talvez para ele, a morte tenha sido um descanso merecido. O que mais sinto é que perdemos um dos maiores intelectuais de todos os tempos, que escolheu a antropologia para pensar e criticar o homem e as relações que mantem entre si, e com todo o ambiente em que vive. Lévi-Strauss sempre foi muito mais do que as 'rígidas' estruturas a que deu vida. Seu pensamento de caráter plural, muitas vezes mal interpretado, traz à tona desde o início do século XX, problemas que dizem respeito às relações humanas, meio ambiente, relações com os animais.

E essa é minha homenagem a ele.

Para lembrá-lo, apresento os trechos abaixo, importantes para mim, que (1) foram extraídos da entrevista concedida à revista Cult (ano 10, número 110) e (2) constam em seu artigo "A lição de sabedoria das vacas loucas". Dois textos recentes, que mostram plena serenidade e lucidez, de um pensador que já contava mais de 90 anos.

(1)

Eu desejo ardentemente que as autoridades brasileiras se interessem por eles [índios nambikwara] e que deem meios para que cada grupo indígena possa prosseguir vivendo de forma independente. Evidentemente que não será da forma tradicional que eles viviam antes e que eu presenciei, mas, em todo caso, é preciso permitir-lhes escolher livremente entre o que eles querem conservar de suas tradições e de suas formas de vida e o que eles querem emprestar da cultura ocidental.

...

A questão que dominava verdadeiramente meu pensamento há muito tempo - e ainda mais nos dias de hoje - é que quando eu nasci havia 1,5 bilhão de habitantes sobre a Terra. Quando entrei para a vida ativa profissional e fui morar com os bororo e os nambikwara, dois bilhões, e agora há seis bilhões. Em poucos anos, serão oito ou nove. Aos meus olhos, esse é o problema fundamental do futuro da humanidade e, pessoalmente - embora isso não tenha importância porque eu não estarei mais aqui - , eu não vejo muito esperança para um mundo assim tão cheio.

(2)

Pode-se dizer que ainda hoje temos certa consciência daquela solidariedade primeira entre todas as formas de vida. Buscamos imprimir o sentimento dessa continuidade no espírito de nossas crianças desde cedo: nós as cercamos de simulacros de animais em borracha ou em pelúcia, e os primeiros livros de figuras que colocamos sob seus olhos lhes mostram o urso, o elefante, o cavalo, o asno, o cão, o gato, a galinha, o rato, o coelho etc. muito antes que elas os deparem realmente, como se devêssemos dar-lhes desde a mais tenra idade a nostalgia de uma unidade que logo saberão rompida.

...

O vínculo entre alimentação carnívora e um canibalismo ampliado tem conotação talvez universal e, assim, raízes muito profundas no pensamento. Ele vem ao primeiro plano com a epidemia das vacas loucas, uma vez que ao pavor de contrair uma doença letal se soma o
horror que tradicionalmente nos inspira o canibalismo, ora extensivo aos bovinos. Condicionados desde a primeira infância, decerto permanecemos carnívoros e buscamos carnes substitutivas. Não é de menos, portanto, que o consumo de carne tenha diminuído de forma espetacular: bem antes desses eventos, quantos de nós passaríamos diante de um açougue e experimentaríamos mal-estar ao vê-lo sob a ótica antecipada dos séculos vindouros? Pois dia virá em que a idéia de que os homens do passado criavam e massacravam seres vivos para se alimentar e complacentemente expunham sua carne aos pedaços em
vitrines inspirará a mesma repulsa que os repastos canibais dos selvagens da América, da Oceania e da África despertavam nos viajantes dos séculos XVI e XVII.
...


Foi um belo fim de vida.

2 de novembro de 2009

IV Semana Vegetariana da Unicamp


De 09 a 13 de novembro na Unicamp. A partir da perspectiva dos direitos dos animais, o vegetarianismo é abordado de diversas maneiras, em palestras, mesas de discussões e atividades de lazer. No blog do evento tem a programação completa. Divulgue, participe, leve os amigos!

É, fantástico...

Foi notícia nos jornais dessa semana o caso da garota que foi violentada moralmente na universidade Uniban, em que estuda turismo, em São Bernardo do Campo, pelo fato de ter ido à aula com um vestido curto.

O ato de barbárie, exige investigação e punição de culpados. A violência de gênero foi explícita: a violência ali, ultrapassou o corpo da moça. Foi contra as mulheres.

Mas, tudo isso tem sido discutido e felizmente a maioria das pessoas chega a essa conclusão quando lê as linhas das notícias. Mas, há os que contra o bom senso (e a favor de uma moral ultra conservadora), preferem extrapolar. Falo do Fantástico, da Rede Globo e da maneira como abordou a questão na edição do último domingo.

Esperava-se no mínimo uma discussão sobre a violência de gênero sofrida pelas mulheres. Pois bem sabemos, se fosse um homem com uma roupa curta, essa caça à bruxa não teria ocorrido. Mas para nossa surpresa (ou não...) o Fantástico preferiu abordar o assunto como se tratasse de sugerir onde e que tipo de roupa usar, e para tanto, chamou para falar sobre o ato de violência, barbárie, a 'consultora de moda' (!) Glorinha Kalil, que jogou nas costas da moça a culpa, devido à inadequação de seu traje naquele momento. Glorinha diz depois, que nada justifica tal violência. Mas o peso de sua primeira declaração, para mim, anula qualquer boa intenção em sua análise:

“Quando a gente põe uma roupa errada, a roupa que não combinou com o lugar que a gente foi, a gente acaba sendo lida de uma maneira que não era a que a gente gostaria. Foi o que aconteceu aqui. Olha, nada, mas nada mesmo, justifica a agressão que essa moça sofreu.”

Estou ficando paranóico? Porque, se chegamos ao ponto, de aceitarmos passivamente que veículos da 'grande' mídia afirmem em entrelinhas através da fala de uma 'especialista' em etiqueta, que um vestido curto é motivo para recriminação e violência moral, chegamos ao ponto de entregar os pontos. Apagar a luz, sair e fechar a porta.

O problema para mim não está no que disse a 'consultora de moda', mas na idéia que o conjunto da matéria representa. E o que eles quiseram dizer foi claramente isso: a moça estava errada; essa roupa, não é roupa para frequentar círculos sociais 'decentes', muito menos, roupa de uma mulher 'digna' usar; logo, a violência está justificada.

É mole?
É, fantástico...

1 de novembro de 2009

Ciclo

O ciclo é um tipo de medida: é cercar alguma coisa em uma linha temporal, atribuir o início, o fim. É invenção. O dia é um ciclo. Antes, é um 'subir'e 'descer' do sol. Se criado é, como pois, se repete? Existe algo - sim, algumas essências existem -, um movimento, para o qual lançamos o olhar, e então atribuímos números, códigos, nomes. Algo que acontece sempre independente do (melhor: desse ou daquele) olhar. Algo que se repete nas mais variadas situações. É difícil de entender (ok, aceitar). Mas há uma vantagem na repetição: conhecido o caminho, pode-se aplicar um tipo de manipulação. E talvez as coisas, sejam diferentes. E o final, feliz.