23 de julho de 2009

Veni, vidi, vici* -tempo mano velho...

Encontrei a avó alegre, sorridente. Considerando as mazelas pela velhinha sofridas nos últimos dias, poderia afirmar que nada acontecera. Nada mesmo. Nem o tombo que lhe rasgara a fina pele das pernas, nem os ataques de insuficiência respiratória, nem as dores causadas por um coração com vasos entupidos, nem a internação na UTI, nada. Tomou as bisnetas no colo, fez carinhos, pediu fotos. Era a alegria em forma de gente. Uma beleza!

Sobre as possibilidades de tratamento da insuficiência respiratória (que agora sabia-se era causada pelo entupimento de importante vaso do coração), ou melhor, sobre a complexa possibilidade que reduzia o sucesso da cirurgia a algo em torno de dez por cento, no outro dia, na capital do estado, quem daria o veredicto era um importante médico cardiologista. Tal médico, que desentupira vasos sanguíneos de gentes importantes país afora, e até nos tratamentos do falecido último papa havia dado pitacos, animado com os dez por cento de sucesso, ou, talvez com sua experiência técnico-científica ao perceber um alargamento dessa porcentagem, disse: opera.

Daqui para frente, não tenho o que dizer, fazer, a não ser torcer para que dê tudo certo; se fosse cristão chamaria uns santos em auxílio, mas não é o caso. A cirurgia de desentupimento do coração desta vózinha (por sinal, minha última parente viva dessa linha que dá origem aos nossos pais), é amanhã.

Aí o leitor se pergunta, mas e o tempo anunciado no título, que tem a ver com o coração da vózinha e suas veias entupidas? Com razão dou motivo para o questionamento, ainda não entrei nesse assunto, mas aqui vou eu.

Durante a visita, aquela que ocorrera no primeiro parágrafo, questionada por mim sobre as possibilidades do tratamento, de uma possível cirurgia, e de tudo mais, alegremente a velhinha disse:

-Se der pra desentupir, ótimo! Se não der, tudo bem! Aí vou levando, com um "piripaque" aqui, mais um, outro mais além, até...

"até..."

A reticências está em negrito não à toa. É que está ali, disfarçada na forma de três bolinhas, a compreensão de vida que faz uma pessoa aceitar que já viveu o suficiente, bem, de um modo geral, com os altos e baixos que fazem parte do pacote, os sofrimentos e alegrias, e está preparada para o "até...". Até o que? Até o "piripaque" final, o fatal, aquele do qual ninguém volta pra contar como foi.

E o que me fez pensar em tempo, em vida, satisfação, em carpe diem, foi a risada gostosa que a velhinha soltou depois do "até...".

Ela disse, nas entrelinhas dos pontinhos da reticências: "Então, estou pronta! O que vier é lucro, e se não vier, fiquem bem vocês! 87 é um bom tanto de anos, meus amores. Criei a molecada, vi eles, homens e mulheres, terem seus filhos e netos, fiz doces e bolos para todos, fui feliz. Meu velho se foi tem um tempo e eu vou indo atrás, dia após dia. Estou bem. Satisfeita, feliz e pronta."

Foi assim que eu entendi aquela alegria toda frente à tantas coisas ruins.

É, é uma lição!

Boa sorte, vózinha.

21 de julho de 2009

De par em par

No início dos vinte anos, foi ele em busca de uma terapeuta que lhe indicasse uns florais para aliviar o estresse de um trabalho enfadante; durante a consulta, pergunta vai, pergunta vem, surgiu na conversa sua preocupação com a passagem do tempo. O cara disse:

- Sinto que o tempo vai pular, sei la, de dez em dez anos, e quando eu ver, já estarei com 30, 40, sem perceber... Entende?

Ela, utilizando do conhecimento técnico-científico das coisas da vida que sua profissão de terapeuta em florais de Bach trazia (ou simplesmente usando a situação para fazer uma auto-negação), disse:

- Não se preocupe com isso! Não é assim, você verá, tudo ocorrerá ao seu tempo, essa sensação não existe...

Receitou lá uns florais, deu umas dicas e marcou um retorno que nunca aconteceu.

Ela estava errada. Foi examente como as preocupações dele apontaram. A vida tem andado em saltos e os dias em blocos, me disse.

Lembrou-me do Cazuza: "... as vezes os meus dias são de par em par".

Me disse também que tem se sentido culpado por não perceber o tempo passar. Parece estar sentado na cadeira de um cinema esperando um filme chato acabar, à espera dos créditos e da luz para ir embora.

Fotografia de Henri Cartier-Bresson e o seu "momento decisivo".

7 de julho de 2009

Não à legitimação da barbárie!

Temos em nosso país uma Lei que é considerada modelo mundial na proteção ao meio ambiente e aos animais não-humanos. Infelizmente, nem sempre ela é acionada na proteção dos interesses daqueles que não podem se defender. Mas essa Lei (e seu artigo 32 especificamente -abaixo mais detalhes) tem sido utilizada como fundamento legal para denúncias contra maus tratos à animais não-humanos (registros de BO's, aberturas de inquéritos, etc).

O fato é que, aprovada em 1998, a Lei 9.605 corre atualmente o risco de sofrer em sua redação um corte que abrirá espaço para que não exista mais este fundamento legal no caso de maus tratos a animais domésticos e domesticados (cães, gatos, pássaros, bois, vacas, cabras, galinhas, galos, etc...).

O artigo 32, diz:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.


Está em tramitação na Câmara dos Deputados, o projeto de Lei número 4.548/1998, de autoria do deputado José Thomaz Nonô - PMDB/AL que EXCLUI deste artigo 32 da Lei 9.605 o termo "domésticos e domesticados". Ou seja, exclui animais domésticos e domesticados da abrangência da Lei. Isso é um absurdo! Vale lembrar que diversos eventos cruéis como rodeios e vaquejadas teem sido proibidos Brasil a fora com base nesta Lei (e neste artigo, em seus termos). Ou seja, a justificativa legal para a proibição destes eventos e outras formas de maus tratos vai ter que ser outra legislação, outros caminhos, ainda mais difícies de serem percorridos.

À favor dos interessados, diz o deputado:

"(...) é induvidoso que os rodeios atraem milhares e milhares de pessoas e já se constituem em verdadeira indústria de diversões. Estimulam, outrossim, todo um universo de produtos e serviços atrelados às práticas esportivas e são internacionalmente conhecidos. As festas de Barretos em São Paulo, de Uberaba em Minas, de Livramento no Rio Grande do Sul dentre outros exemplos de mega eventos e as dezenas de milhares de pequenas festas de fim-de-semana que geram emprego e renda em todo o território nacional, não podem ser ameaçadas. Tudo isso estaria em risco se a expressão "domésticos e domesticados", que aqui se pretende subtrair do caput do artigo 32, for objeto de uma interpretação genérica, elástica, que tenta alguns "ambientalistas" pouco esclarecidos." (Diário da Câmara dos Deputados, 02/06/1998)

Alguns ambientalistas pouco esclarecidos...

É claro, gritante, que trata-se do interesse econômico de grupos que promovem rodeios, e associações que praticam rinhas de galos e cães, vaquejadas, etc., tentando sobreporem-se à dor e ao sofrimento dos animais, ao direito de defesa por eles adquiridos, em uma articulação macabra pela alteração do artigo 32, que tem-se mostrado o "calcanhar de Aquiles" destes senhores em suas práticas de tortura. Não podemos permitir isto. A recente aprovação na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados do projeto de Lei 7.291/2006, que proíbe a utilização de animais em circos em todo território nacional é prova de que encontra-se em curso um processo de sensibilização e conscientização com relação aos animais não-humanos pelos corredores da justiça em nosso país. Permitir o acesso à contramão deste curso pode ser um triste caminho sem volta.

Vamos nos mobilizar contra a aprovação este projeto de Lei. E é aí que peço sua ajuda na divulgação deste texto e no contato aos deputados da Câmara pedindo que votem contra este projeto de Lei absurdo. Para fazer contato com eles, basta entrar no site da Câmara:

http://www2.camara.gov.br/internet/popular/falecomdeputado.html/

Daí selecione no campo dos nomes, "TODOS", faça um textinho e mande o e-mail. O e-mail é automaticamente enviado a todos Deputados. Pode usar fragmentos deste e-mail, sinta-se a vontade! Mas ajude nessa mobilização. Isso não leva mais que cinco minutos!

Calar-se diante disto, é calar-se diante de um claro processo de legitimação da barbárie.