15 de dezembro de 2010

All things must pass

Encare todos os problemas, resolva um a um. Não adiante e não atrase nada: sofra somente o necessário, ao seu tempo. Peça ajuda aos amigos, não esqueça da família. Chore, se for o caso. Ouça músicas, corra, relaxe. Durante o sono, seja você e o travesseiro, durma. Mais um problema? Eles são assim, chegam em lotes. Respire fundo, as pernas existem também pra não lhe deixar cair, mas se quiser, caia. Levante. "All things must pass away".

12 de dezembro de 2010

Sobre o prazo de validade das coisas

Lê sempre os rótulos. Procura entender do que as coisas são feitas, detalhadamente. De sabonetes a geléias, procura por ingredientes condenáveis, pelo local de fabricação, se longe, se perto, se distrai: levar algo pra casa é tarefa difícil; gosta de ler sobre dados nutricionais, quantidades de calorias, vitaminas, carboidratos. Não que se preocupe com o engordar ou emagrecer do corpo, mas o que coloca pra dentro, lhe interessa. Compara: um em cada mão, troca informações com seus lados direito e esquerdo, escolhe, desiste, vai embora. Lê sempre os olhares, procura entender as mentes, procura encontrar o prazo de validade em tudo, sabe que tudo um dia vence: de barras de cereais a relacionamentos. Nada vencido põe pra dentro. Nada, ainda que mais barato. Pensa, "que fiquem as coisas vencidas pros lados de fora". Porque tudo, insiste, um dia vence. E há sempre um grande perigo em por pra dentro algo vencido, bactérias, fermentação, traição. Tudo vencido tem cheiro ruim, faz mal, faz chorar.
Tudo vence um dia. Tudo vence num dia, num outro dia, vence-se tudo. É uma escolha, ser vencido, vencer.

8 de dezembro de 2010

O bom-dia e a estética-do-viver

Diariamente oferece alguns bons-dias sem esperar muito em troca. Não que tenha se acostumado à tradicional falta de humor que as pessoas tornam-se em grandes cidades, também pudera, são buzinas, fumaças, sirenes e trombadas já pela manhã, mas porque tem a continua impressão de que as pessoas, aqueles conhecidos (não os amigos, aqueles outros, que se veem diariamente e por causa disso mesmo, dessa repetição diária de contato visual sem maiores expectativas, tem suas caras umas gravadas nas mentes das outras), não se reconhecem. Não sabe explicar de onde vem essa sensação, o que sabe, é que não repondem ao cumprimento o que muitas vezes, faz com que ele mesmo, não dê partida à cortesia.

E hoje, que surpresa. Ao descer do ônibus, depois de um saldo de cinquenta por cento de sucesso nos bons-dias até então oferecidos, sendo o motorista o responsável pela metade perdida e o cobrador o responsável pela metade ganha, eis que desce e aproxima-se da barraquinha da moça que vende café na calçada do hospital, prepara-se para o próximo bom-dia quando percebe, ela, num movimento rápido, antes das palavras saltarem da sua boca, abre o pote onde ficam os copos plásticos em que serve o café, saca um, posiciona-o abaixo da saída da garrafa e aciona o sistema de vácuo que faz-lo jorrar. Ela serve o café, bom-dia, ele diz. O bom-dia saiu assim, chocho, pois do espanto, não foi um desses bons-dias, do tipo "bom-dia!!!", foi um bom-dia do tipo "bom-dia…", e foi mesmo assim desconfiado e com reticências, porque antes de dizer o que queria, antes do bom-dia deixar de ser intenção e ser um bom-dia de fato, ela já tinha servido o quente e necessário cafézinho (e é importante saber, ela não vendia só café, haviam ali bolos variados, doces, leite e o brasileiríssimo, digo mineiríssimo, pão de queijo, poderia ele escolher qualquer uma dessas quitandas, como se diz lá em Minas, mas não, sabia ela que ele queria era o café, só o café, e esse de um real, porque tem também ali na barraquinha o de cinquenta centavos, metade do volume, o que não provê cafeína nem para passar o sono, menos ainda para as leituras densas e empoeiradas que tem feito), o que vem provar que, a moça se lembrava dele, de todas as outras vezes em que ele tinha por ali passado, de todos os outros bons-dias que havia dado e de todos os outros cafés de um real que havia comprado. Isso o fez pensar, que também talvez, todas aquelas pessoas conhecidas, não os amigos, os outros do caminho, e de diversos outros caminhos, porque o que mais temos na vida são caminhos e pessoas percorridos diariamente, também se lembrem dele, do mesmo jeito que ele se lembra delas, o que causa maior inquietação porque patente fica que ambos dão-se ao mesmo desagradável hábito: não se bom-diam-se, porque pensam, não lembram-se um do outro.

Essa sensação foi confirmada, após ela responder o bom-dia alegremente, não um "bom-dia…", mas um "bom-dia!!!". Ela só não se lembrou que o café que ele bebe, é sem açúcar (também pudera, não se pode lembrar de tudo a todo momento nessa vida), se fosse uísque, seria do tipo "cowboy", mas é café, só água muito quente e café, puro. Quando ela aproximou a colher do pote do doce e branco ganulado, foi lembrada: "o meu é sem açúcar", ele disse, espanto novamente, disse a moça: "ah! verdade, sem açúcar, sempre esqueço que o seu é sem açúcar, igual o do meu marido, do meu irmão, eles também bebem assim, como você, sem açúcar…" (vejam só, ele de repente, na mesma sentença que seus parentes mais íntimos, o filho da sogra e o outro filho da mãe, e ele, sabe-se lá filho de quem, ligados por essa preferência da amarguez do café, o que vem mostrar também que sim, ela se lembrou dele, afinal, não iria colocá-lo na mesma categoria de preferências amarguísticas que seus familiares se fosse um total estranho. É preciso mínima intimidade para adentrar um lar. Esse "sempre", foi confirmar: ela sabe quem ele é, não exatamente quem ele é no sentido de saber onde e de que corpos nascera, de onde vem, se é de deus ou do diabo, o que faz, se gosta de mulher, de homem, ou dos dois, se é casado e tem filhos, se gosta de futebol, e sendo sim a resposta, se torce pro Corinthians, Palmeiras ou São Paulo, sendo não, "que estranho, não gostar de futebol", essas coisas que todo mundo gosta de saber sobre tudo mundo. Sabe ela, quem ele é, porque ele é diariamente, aquele que desce do ônibus vermelho, vira a esquina e pede um café de um real (sem açúcar). Aquele que dá um bom-dia, sem muito esperar em troca. Talvez desconfiado, talvez medroso, talvez confuso, talvez ela pense “que raios de bom-dia é esse”, diariamente confuso, por antes estar medroso, desconfiado, com o que não sabe, com a vida talvez, essas coisas metafísicas e existenciais, por que não psicológicas, que tiram o sossego de qualquer um humano.

Mas hoje sobrou um pouco de clareza, da certeza, de que a confusão talvez nem exista de fato, ou pelo menos, diferente de existir, assim, substancialmente existência, seria mais algo que se faz questão de manter, como essas linhas penduradas nas barras ou mangas das camisas, que um puxão com pouca força já dá conta de resolver a questão estética e pendente. Entrou no parque, continuou a leitura do romance enquanto terminava o café de um real puro (puro o café, não o real, porque todo dinheiro é sujo, se não na sujeira que das mãos passam ao papel ou ao metal da moeda, na sujeira de ser mesmo dinheiro em si) com a certeza de que amanhã se tudo der certo, pelo menos um bom-dia sabe que ouvirá, um "bom-dia!!!", não um "bom-dia…", com o que, abraçará a moça do café, dirá ter sentido saudades, menos, o “bom-dia!!!” em resposta basta.

É preciso coragem para dar um bom-dia, porque cada bom-dia por simples que pareça é invasão, é um enfrentamento; é preciso coragem para responder a um bom-dia, porque cada bom-dia respondido, é um doar-se, é deixar ir um pouco de si e aceitar um teco do outro. É troca e como troca é, será também, se sucesso tiver a empreitada, uma dádiva, pra encerrar a coisa assim com um tom de antropologia. E como servir um café antes do bom-dia sair, põe tantas engrenagens mentais, simbólicas, psicológicas e metafísicas a se engrenarem e roçarem-se umas nas outras, ele já tem uma lição desse dia, se fosse um daqueles contos infantis, a tal da “moral da história” seria, puxar com mais força e coragem e quebrar essas linhas, coisas penduradas, linhas-coisas-penduradas escreveria o Latour, pois gosta dos hífens como ninguém, que talvez nem existam mas estragam a estética-do-viver.


25 de julho de 2010

Por um pouco de razão

Tem dias que a gente acorda sentindo uma falta terrível de algo que nunca existiu. É uma saudade sem fundamento, como sentir falta de algo que nunca aconteceu? Não é racional.
Como tantas outras coisas não o são. É mais desejo que saudade.
A razão é traiçoeira, te engana, dá rasteira; e quando você vê, é o chão. É sua cara no chão. É você e o limite, um de frente pro outro e ele te olha e diz:
- Vai, se entrega. Pensou que seria fácil?
Aí, umas músicas, umas bebidas e a rotina -com a promessa de auto-controle.
Logo você está de pé. E como a razão sempre é traiçoeira, pronto pra cair de novo.


12 de fevereiro de 2010

Roquenrou!

E pra quem não está se guardando pra quando o carnaval chegar...

10 de fevereiro de 2010

Ninguém vai a um hospital passear -ou "I don't want to follow death and all of his friends"

Meu retorno àquele ambulatório de quimioterapia, local onde há pouco mais de um ano fazia visitas como acompanhante de minha avó, deu-se por conta de uma doação: algumas revistas para os pacientes que pacientemente passam horas recebendo poderosos produtos químicos em suas veias e que para esquecer de onde estão, do que sofrem, precisam se distrair, ler. O tratamento de minha avó não funcionou. Presenciei um processo lento, doloroso e injusto, no qual um câncer consumiu primeiro seu frágil espírito e depois, insatisfeito, seu forte corpo.

Ao entrar na sala onde os pacientes recebem a medicação intravenosa revi e lembrei-me daqueles rostos familiares, médicos e enfermeiros. Eu -em um processo unilateral- os reconheci. Por parte deles, eu era mais um estranho: talvez um acompanhante em busca de algum paciente ou simplesmente alguém que quisesse saber onde era o banheiro.

Uma sensação incômoda tomou conta de mim. Senti-me traído. Como se naquele momento, tivesse assumido a pessoa de minha avó frente àquelas pessoas: enquanto eu, "morta", tinha abandonado essa vida depois de muita dor e sofrimento, ali, para aquelas pessoas que propuseram me salvar, tudo continuava igual: os mesmos medicamentos, a mesma rotina, mais pacientes, mais casos. Senti-me traído. Estavam todos ali, trabalhando normalmente, alguns já prontos para o almoço, outros, chegando para assumir seus postos. Não entendo ao certo o porque, mas o que senti foi a dor de uma traição. Lágrimas vieram aos olhos.

Quando rapidamente deixei o lugar, um mal estar tomou conta de meu corpo. A sensação de traição continua e vem à tona quando lembro-me daqueles rostos sorridentes, e da dor de minha avó. Talvez se não nos propuséssemos a à qualquer custo prolongar a vida, e mais, a acreditar que a vida deve ser prolongada, sentissemos menos dor; talvez não sobraria estado para a sensação da traição cometida por aqueles que não conseguem salvar uma vida, esses que falham.

30 de janeiro de 2010

Por baixo do fino véu

Enfim, algumas faces começam a mostrarem-se assim, mais claramente. Talvez em breve o real problema do Haiti seja compreendido. E as pessoas (essas que ainda acreditam em "ajuda humanitária") quem sabe, passem a entender que o que falta ali agora não é tanto dinheiro; e que mais, ninguém de fora poderá fazer pelos haitianos mais do que eles próprios -como aliás, sempre fizeram. E aí, por baixo do fino véu tudo estará claro: o Haiti sempre fora e continua sendo o campo de uma disputa política; de uma política que não é para "o bico" dos haitianos.


30/01/2010 - 17h47
Exército dos EUA anuncia suspensão de voos com feridos haitianos

da France Presse, em Washington
da Folha Online

O Exército americano confirmou neste sábado a suspensão dos voos de retirada de haitianos gravemente feridos durante o terremoto de 12 de janeiro, enquanto aguarda uma decisão sobre quem se encarregará das despesas com o tratamento deles nos Estados Unidos.

"Cancelamos temporariamente esses voos de retirada de haitianos, mas temos meios de retomá-los", afirmou o capitão Kevin Aandahl, porta-voz da Transcom, a unidade de gestão dos transportes do Pentágono, em correspondência enviada à France Presse.

A informação corrobora uma notícia divulgada neste sábado pelo jornal "The New York Times".

Citando fontes militares, o jornal informa que os voos militares com pessoas atingidas na coluna, com queimaduras e outros ferimentos graves foram interrompidos na quarta-feira (27) passada depois que o governador da Flórida, Charlie Crist, pediu apoio do governo federal para pagar pelos cuidados das vítimas do terremoto.

Até agora, os hospitais da Flórida trataram mais de 500 pessoas, incluindo um menino resgatado dos escombros com o crânio e várias costelas quebradas.

Os voos para outros Estados que recebiam pacientes haitianos também foram suspensos.

O cancelamento poderá ser catastrófico para os pacientes, segundo Berth Green, um dos fundadores do Projeto Medishare para o Haiti, uma organização sem fins lucrativos associada à Miller School of Medicine da Universidade de Miami, que realiza as retiradas de feridos.

Crist não especificou o quanto custa à Flórida o serviço médico oferecido, mas, segundo ele, o número e a complexidade dos casos eleva a cifra a vários milhões de dólares.

O gasto imprevisto ocorre em um mau momento econômico para a Flórida.

Tragédia

O terremoto aconteceu às 16h53 do último dia 12 (19h53 no horário de Brasília) e teve epicentro a 15 quilômetros de Porto Príncipe, que ficou virtualmente devastada. O Palácio Nacional e a maioria dos prédios oficiais desabaram. O mesmo aconteceu na sede da Minustah, missão de paz da ONU, liderada militarmente pelo Brasil.

Ainda não há um dado preciso do total de mortos. O balanço das Nações Unidas divulgado nesta segunda-feira indica um total de 112.250 mortos e outros 194 mil feridos. Já o governo haitiano confirmou neste domingo que o número de mortos no país já atingiu 150 mil somente na região metropolitana de Porto Príncipe.

Entre os brasileiros, 21 morreram, sendo 18 militares e três civis --a brasileira Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança, o chefe-adjunto civil da missão da ONU no Haiti, Luiz Carlos da Costa, e uma brasileira com dupla-cidadania europeia que não teve a identidade divulgada a pedido da família.

25 de janeiro de 2010

Desabafo

A frase, ou melhor o verso que serve de subtítulo ao blog é do samba "Deixa Eu Dizer", de 1973, da cantora Cláudia. Sampleada por Marcelo D2 no seu hip-hop-hype "Desabafo", diz sobre o sufoco que abafa a alma e cala a boca, que pede pelo grito. É como que negar-se o grito no vácuo: é querer ter voz.

Sobre falar ou escrever, ainda, desabafar, é que precisamos aprender. Porque palavras estão ai, trata-se do o que mais ouvimos e lemos. Vivemos em um espaço que antes, é dominado pelas letras e suas associações. Sinceros desabafos, que sufocados rompam a barreira do silêncio, da moral e do corpo é do que precisamos. Nos sentimos (e ignore sua presença nessa primeira pessoa do plural se não lhe convém) tão livres e ao mesmo tempo tão presos que o sufoco é a medida do desabafo. É uma solidão silenciosa, um tentar resolver sem solução, um desabafo.