24 de agosto de 2012

Paz, amor e respeito




Em homenagem aos 40 anos do encerramento da turnê "Wings Across Euroupe", foi publicada hoje no perfil do Facebook de Paul McCartney a imagem acima. A fotografia, de 1972, transmite uma paz imensurável e mostra Paul e sua esposa à época, a Linda. Linda perdeu em 1998 a luta contra um câncer de mama; em outras lutas, foi vitoriosa: vegetariana, era forte defensora dos direitos animais; com sucesso, passou a difundir o vegetarianismo como forma de amenizar o sofrimento dos animais, tendo inclusive sido empresária no ramo de alimentos vegetarianos congelados. 

Recentemente, tirei da prateleira o "Many Years From Now", uma biografia de Paul McCartney; e é  impossível passar por este livro sem consultar, em suas últimas páginas, a carta que Paul enviou à imprensa alguns dias após a morte de Linda. Hoje, ao ver a fotografia publicada em seu perfil, fez-se impossível não retomar a carta:

Isso tem sido um sofrimento imenso para minha família e para mim. Linda foi, e ainda é, o amor de minha vida, e os dois últimos anos que passamos lutando contra a doença foram um pesadelo.
Ela nunca se queixou e sempre teve a esperança de vencer a doença. Infelizmente, não foi o que aconteceu.
Nossos lindos filhos - Heather, Mary, Stella e James - nos deram uma força incrível durante aquele período, e Linda, continua a viver em todos eles.
A coragem que ela demonstrou na defesa do vegetarianismo e dos animais foi inacreditável. Eu pergunto: quantas mulheres enfrentaram sozinhas oponentes como as autoridades responsáveis pelo gado e pelos abatedouros, arriscando-se a ser motivo de piada, e ainda assim venceram?
Era uma pessoa muito reservada, e quem não a conhecia direito via apenas a ponta do iceberg. Foi a mulher mais bondosa que jáconheci, a mais pura. 
Para ela, todos os animais eram como personagens Disney e mereciam amor e respeito.
Também podia ser a mais durona das mulheres, não ligando a mínima para o que os outros pudessem pensar. Não se impressionou nem um pouco com o fato de ser lady McCartney. Quando lhe perguntaram se alguém a chamava assim, ela respondeu: "Não, acho que ninguém".
Tive o privilégio de amá-la durante trinta anos, e nesse tempo todo, com exceção de uma ausência forçada, nunca passamos uma noite separados. Quando nos perguntavam por quê, dizíamos: "E por que não?"
Como fotógrafa, poucos rivalizavam com ela. Seus trabalhos mostram uma honestidade apaixonada, uma sensibilidade rara para a beleza. 
Como mãe, foi a melhor. Nós dois sempre dissemos que tudo que queríamos para nossos filhos era que tivessem bom coração, e eles têm.
Nossa família é tão unida que seu falecimento deixou uma enorme lacuna em nossas vidas. Nunca nos recuperaremos dessa perda, mas acho que viremos a aceitá-la.
A homenagem que Linda teria mais gostado seria que as pessoas se tornassem vegetarianas, o que, dada a enorme variedade de alimentos disponíveis hoje em dia, é bem mais fácil do que muitos pensam. Linda entrou no ramo alimentício por uma única razão: salvar os animais do tratamento cruel que nossa sociedade e nossas tradições lhes impõe."
Eu não conseguiria imaginar ninguém com menos tendência para ser mulher de negócios, e, no entanto, ela trabalhou incansavelmente pelos direitos dos animais e se tornou uma magnata da indústria alimentícia. Quando lhe disseram que um concorrente copiara um de seus produtos, tudo que Linda disse foi: "Ótimo, agora posso me aposentar". Não era pelo dinheiro que fazia aquilo.
No final, ela se foi rapidamente, com muito pouca dor, e estava rodeada pelos entes queridos.
As crianças e eu estávamos lá quando ela passou para o outro plano. Todos puderam lhe dizer quanto a amavam.
Eu disse a ela: "Você está montada em seu lindo garanhão malhado. É um belo dia de primavera. Estamos cavalgando pela mata. As campânulas já desabrocharam todas, e o céu está claro e muito azul".
Mal eu acabara de dizer isso, ela fechou os olhos e se foi, suavemente. Era uma pessoa sem igual, e tê-la conhecido fez do mundo um lugar melhor para mim.
Sua mensagem continuará a viver em nossos corações.
Eu te amo, Linda.
Paul

Paul se tornou vegetariano em 1975. Desde então, junto com Linda, foi ativista e lutou pelos direitos animais e pelo fim do "sofrimento e do tratamento cruel que nossa sociedade e nossas tradições lhes impõe". Participou de campanhas promovidas pela PETA e faz do vegetarianismo uma importante ferramenta em busca dessa cultura de paz: em suas turnês, o alimento servido à equipe que o acompanha (algumas centenas de pessoas) é sempre vegetariano; é sua a frase que diz que "se os abatedouros tivessem paredes de vidro, todos seriam vegetarianos." Linda e Paul fizeram [e no caso de Paul, ainda faz] do vegetarianismo um instrumento para falar também sobre amor e respeito. Quando vi essa fotografia hoje, quando senti a paz que ela transmite, não pude deixar de fazer essas conexões, afinal, é paz, amor e respeito, acima de tudo, que ela transmite.

28 de abril de 2012

A criação do mundo - versão acadêmica


a criação do homem, na versão acadêmica

No princípio, era o verbo-orientador. E a terra era sem forma e vazia. Aí, o verbo-orientador disse: "deus, meu orientando, crie o mundo. Terás 30 dias para isso. Sem bolsa". Deus, no início, apesar de ter que criar o mundo na base da caridade, achou a idéia boa - afinal, tudo estava tão vazio, tão sem sentido; ele vinha se perguntando sobre seu papel na existência e sobre como poderia contribuir para que o mundo que criaria, pudesse ser um bom lugar - e começou a planejar. Porém, antes mesmo de criar o mundo, deus deu existência à pior de suas criações: a procrastinação. Enrolava e se lastimava a todo momento sobre o quão difícil seria criar o mundo, sobre o quão apertado era o prazo, sobre não ter bolsa pra desenvolver o trabalho, sobre a arbitrariedade do seu verbo-orientador, essas coisas todas que movem as engrenagens procrastinatórias até hoje. Como nem deus é de ferro, também passava boa parte do tempo no Facebook e tuitando.
Fato é que deus, sofria de arritimias, insônia e descargas de adrenalina. Certo momento, do nada, conseguiu romper o bloqueio criativo e a apenas sete dias do prazo final, iniciou os trabalhos. Como deus é "o cara", concluiu a criação em seis dias. Com o mundo em mãos, ligou para o revisor: "revisor, preciso que você revise meu trabalho para amanhã, meu dead line". O revisor, cansado desses acadêmicos apressados, falou: "deus, nem f….! Impossível, não tenho como revisar um trabalho tão grande em tão pouco tempo!" Deus então, no ápice do desespero, mandou um email de socorro para o verbo-orientador, que respondeu dizendo não poder revisar o trabalho, pois andava ocupado com a organização do Primeiro Congresso de Criadores Culturalistas, coisa "mais importante". De mãos atadas, sem ter o que fazer, o intrépido criador adotou a máxima "o que não tem remédio, remediado está": mandou o mundo para a [calma, leitor], para a banca, sem revisão. 
Leve, livre e solto, tirou a manhã do sétimo dia para o Facebook, dolorosamente não atualizado desde o início da criação. Postou (e tuitou): "VEEEM GENTY LYMDA! ;) - acabei de criar o mundo, vamos comemorar!" Entre os elementos da criação, lembrou deus, estavam a pizza e a cerveja. Achou que era um bom momento pra juntar as duas. Isolado em uma cidade universitária, e sem transporte, nos 46 do segundo tempo criou o disk-entrega (essa última criação seria posteriormente inserida na versão definitiva do mundo, depois da defesa), pediu para entregarem, a gente linda chegou. Deus tirou o resto do sétimo dia para comemorar e descansar, necessariamente nesta ordem.
Ele e o mundo foram aprovados com o conceito "bom", afinal, ainda que cheio de sérios problemas teóricos, de método e erros de ortografia, "o mundo" era um trabalho original. As consequências da falta de revisão nesse trabalho estão aí até hoje para nos lembrar que dentre outras coisas, a procrastinação é inimiga da perfeição. E que a perfeição, não foi alcançada nem mesmo por deus. Então, não sofra em excesso com seu maior trabalho. No desespero, pare tudo, peça umas pizzas, compre umas cervejas, chame os amigos e relaxe. Só não peça ajuda a deus. Desde então, ele anda meio traumatizado com essas coisas da academia.