25 de outubro de 2011

Urgente


É preciso avisar toda a gente
Dar notícia informar prevenir
Que por cada flor estrangulada
Há milhões de sementes a florir

É preciso avisar toda a gente
Segredar a palavra e a senha
Engrossando a verdade corrente
De uma força que nada detenha

É preciso avisar toda a gente
Que há fogo no meio da floresta
E que os mortos apontam em frente
O caminho da esperança que resta

É preciso avisar toda a gente
Transmitir este morse de dores
É preciso imperioso e urgente
Mais flores mais flores mais flores

João Apolinário

(1924-1988)


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19 de setembro de 2011



Tanta ilusão,
quanta ilusão...

E o que importa
são as paineiras
que marcam o que resta a perceber
nesta sobra de inverno,

com seu algodão.

Então,
então.


9 de agosto de 2011

De onde vem essas luvas azuis?

O garotinho tinha cinco anos e entrou na sala meio cambaleando, bastante desconfiado, medindo tudo com os olhos. Tinha razão, afinal, em um hospital todas as salas são pra se colocar também, um pouco de desconfiança, elas contém seringas, agulhas, injeções, coisas demais que crianças não gostam. O pequeno ainda vestia o pijama. A mãe, logo se defendeu:


- É muito preguiçoso pra acordar! Estávamos atrasados, preferi não trocar de roupa…


Eu disse que tudo bem, conversamos e distraí o garotinho como de costume. Ele estava lá para fazer um teste bastante simples, onde é preciso fazer uma micro incisão no antebraço - 5mm de comprimento por 2mm de profundidade. Como eu mentia (quase sem precisar), "uma picadinha de formiga".


Vesti o par de luvas descartáveis. Eu usava luvas especiais, anti-alérgicas. Essas eram azuis, e claro, despertaram a curiosidade do garoto:


-Azuis! Elas são azuis!!!


Confirmei, "sim, azuis!", e pronto, uma vez confirmado, poderia ter parado por ali. Mas não, continuei e tentei colocar as luvas e toda aquela situação no plano da fantasia. Então, perguntei pra ele,


-E você sabe de onde elas vem???


Esse foi momento em que eu, além de querer criar o mundo da fantasia, também perdi a medida do tempo e esqueci que pelo menos, 20 anos nos separaram.


-Não!!! De onde elas vem??? - ele perguntou, assim mesmo, bastante eufórico.


-Elas vem lá da terra dos Smurfs! - disse eu.




[Silêncio]

Se estivessem por ali, ouviríamos o som dos grilos.




No meu rosto, à espera de que ele relacionasse o azul das luvas ao azul dos Smurfs, estampava-se um grande sorriso; no dele, com o dobro do tamanho, uma interrogação.


Confesso, fiquei indignado. Como podia uma criança não saber quem são os Smurfs! Como poderia então, nunca ter cantado o "lá, lá, lá lá lá lá, lá, lá lá lá lá"? Não saber sobre o Gargamel e seu gato Cruel, a Smurfete! Como?


A mãe do garotinho percebendo o desconforto da situação se pôs mediadora:


-Então… [num tom bastante delicado, pra não me ofender], Os Smurfs são do nosso [olhando para mim] tempo né… Não do dele… ele tem só 5 anos!


O garoto continuou por alguns instantes com aquela interrogação estampada no rosto, que mal se desfez quando outra surgiu: quis saber então, como uma "formiguinha" - essa que logo mais o picaria - tinha entrado no dispositivo que faria a incisão em seu braço… Ele, como toda criança tem um mundo pra descobrir, não poderia perder mais tempo com luvas azuis da terra dos Smurfs.


Hoje, fui tomar um café no Café do cinema e vi o cartaz do filme dos pequenos azuis. Lembrei desse caso e ri sozinho. Se pudesse, levaria ele para assistir Os Smurfs. Aí então, ele descobriria de que mundo vieram aquelas luvas azuis…


(E tantas outras coisas que como os Smurfs, moram pra sempre na minha memória, naquele cantinho dos Verdes Anos.)






24 de julho de 2011

É divulgada a causa da morte de Amy Winehouse


De Londres


Os médicos do serviço legista da Scotland Yard divulgaram há pouco o resultado da necropsia do corpo da cantora Amy Winehouse, encontrada morta em seu flat em Camden na tarde de ontem (sábado, 23).

Como causa da morte foi apontado "choque fisiólogico" que teria "provocado uma parada cardio-respiratória, levando à falência múltipla dos órgãos". O choque, afirmaram os legistas, foi causado por uma situação psicológica conhecida como "inadequação social grave". Os portadores desta condição, considerada por médicos, psicólogos e psiquiatras um grande problema de saúde pública, problema esse que teria levado Machado de Assis a escrever o best-seller "O Alienista" em 1882 (CLIQUE AQUI PARA COMPAR "O ALIENISTA", DE MACHADO DE ASSIS), atinge cada vez mais seres humanos, principalmente jovens. De origem complexa, tal situação costuma levar seus portadores a adotarem hábitos auto-destrutivos, como o consumo de drogas, uma vez que percebem que não há maneira possível de conciliar suas idéias e necessidades com as do mundo em que vivem. No caso da cantora inglesa, os médicos ainda acrescentaram como fatores agravantes o assédio da imprensa e paparazzis à sua conturbada vida e sua consequente exploração midiática. Devido ao ocorrido, o serviço de saúde pública inglês promoverá nas próximas semanas uma campanha de adequação psico-moral entre os jovens que apresentarem os sintomas desta grave doença.

O corpo da cantora Amy Winehouse será cremado na manhã de segunda-feira. Haverá transmissão da cerimônia ao vivo pela BBC e os assinantes do sistema de pay-per-view da rede poderão acompanhar com exclusividade a cerimônia íntima, dedicada aos parentes e amigos e que acontecerá antes da cerimônia pública (CLIQUE AQUI PARA ASSINAR O PAY-PER-VIEW DA BBC).



Sucesso


Há planos também para o relançamento do álbum Back to Black (2006), bem como de uma série de DVDs com apresentações da cantora pelo mundo, alem do projeto Amy=Fail, um conjunto de vídeos de apresentações fracassadas da cantora. A Mattel, pretende colocar no mercado ainda para o natal deste ano a Barbie Winehouse, uma boneca Barbie morena e que deverá vir acompanhada com um copo de vodka na mão. A Barbie Winehouse ainda contará com um dispositivo de fala, que dirá versos de músicas de Amy, como "What kind of fuckery is this" e "You know I'm no good".

Ainda sob o peso do luto, a gravadora da cantora informou que havia instalado câmeras em sua casa para monitorar o seu compartamento, o que vinha causando repetitivos prejuízos à companhia. Prometem, sem edição, lançar ainda neste trimestre, todo o material gravado na forma de um reality-show, provisoriamente intitulado "REHAB: Amy's Real Li[v]e".



Os especialistas falam


A geneticista brasileira Maryanna Zasttz, da Universidade de São Paulo, foi procurada pela redação para falar sobre a doença que teria causado a morte de Amy Winehouse. Segundo ela, "não há evidências científicas suficientes para atribuir a morte de Winehouse a um distúrbio patológico social; Maryanna afirma que "pelo contrário, acreditamos cada vez mais que o consumo de drogas e de álcool, bem como a adoção de hábitos de vida desregrados e imorais" afetam os genes e no caso, teriam "afetado os genes de Winehouse, levando a cantora a um quadro irreversível de degeneração fisiológica", que culminou em sua morte. "Era evidente que isso aconteceria. Ela se recusou ao REHAB. Continuou bebendo, fumando até crack! Procurou a morte, desde o início". Maryanna Zasttz, disse ainda ser grande fã do trabalho de Amy e que aguarda ansiosamente pelo lançamento do reality show "REHAB: Amy's Real Li[v]e".



6 de julho de 2011

Sobre fazer robôs

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos.

Álvaro de Campos, Tabacaria


Quando criança, afoito por antes mesmo de crescer decidir o que ser (coisa de criança de cidade grande), um dia após desenhar um robô e me achar um engenheiro, perguntei ingenuamente para minha mãe se engenheiros apenas desenhavam os robôs. Na resposta minha mãe me ofereceu uma pequena dose de realidade, dizendo que não, que os engenheiros não apenas desenhavam, mas projetavam todo o robô: da sua forma externa a cada uma de suas porcas parafusos, tudo passaria pelo engenho do engenheiro. Achei isso extremamente exaustivo e desestimulante, o fim do mundo. Resolvi então, que não queria mais ser um engenheiro.

Sim, ao abandonar o projeto do meu primeiro robô, com alguns anos de antecedência definitivamente vivi o fracasso com relação a números, medidas e cálculos que a partir da sexta série seria uma constante em minha vida escolar. Mas o que posso fazer se sempre me apeguei mais às linhas gerais, às formas das coisas, do que aos seus detalhes?

Duas décadas depois e com um substancial know-how em rascunhar milhares de robôs e concluir o projeto de apenas algumas dezenas, me vejo agora numa dessas situações limite que clareiam o entendimento sobre toda uma vida e fazem a gente entender pequenos eventos que ficaram lá na memória, como meu primeiro robô.

No exercício diário de escrever minha dissertação de mestrado, o que posso dizer tranquilamente que é o meu atual trabalho - e no literal entendimento da palavra -, vejo à minha frente milhares de porcas, parafusos, conectores, fios, plugues, toda uma sorte de coisas que preciso juntar cada uma no seu lugar certo, para fazer com que meu robô mais especial abra os olhos. Escrever uma dissertação é um trabalho de muito engenho também. Neste sentido, por mais que eu tenha fugido dos números e cálculos (e depois dos papéis, das bancadas…), me vejo agora nessa oficina das palavras onde dia após dia, tento trazer à vida esse mundo de pecinhas soltas. Esta é uma engenharia muito especial: não de números, mas de palavras e idéias.

Para aquela dúvida, "o que ser quando crescer", ainda que tudo indique que já cresci, não tenho resposta. E já não sei se quero uma: acho que desisti de ser algo, justamente quando cresci. Resolvi foi construir robôs, dos mais variados: textuais, imagéticos, psicodélicos, ideológicos, poéticos, musicais. Parece, resolvi antes estar do que ser.

Aliás, sim, há uma escolha nisso tudo! Escolhi sempre me perder entre novas porcas e novos parafusos, que inexperimentados me mostram outras possibilidades de novos robôs. Eu não cresci para escolher o que ser. Eu cresci para escolher diariamente o que fazer. E assim, deixo o tempo me levar.

o simpático robô Wall-E