2 de dezembro de 2009

Sobre como se perceber observado - e se aterrorizar

Foi após um dia de discussões sobre direitos de animais não humanos, ou melhor, da violação a direitos já garantidos, que resolveu comer algo em um bar qualquer da rua Augusta, na companhia de um camarada da causa. Pediu então um suco de laranja e um americano (não sem antes perguntar ao garçom, o que 'vinha' no lanche; após a lista dos ingredientes, eles, pão francês, presunto, ovo, queijo, alface e tomate, pediu então que fosse subtraído o presunto).

A conversa seguia; o suco chegou, depois o lanche, na sequência o mal estar.

Algo não estava bem. E tinha a ver com o queijo e com o ovo do americano, ele sabia. Não que sua companhia tivesse em algum momento deixado transparecer algum tipo de intolerância quanto ao consumo daqueles produtos após um dia de discussões sobre como precisamos repensar isso; muito pelo contrário, dentre os que conhecia que abstinham-se do consumo total de produtos de origem animal, esse que dividia com ele a mesa, era dos mais tranquilos. Sabia que naquele momento a nenhuma conclusão chegaria, deixou então que a conversa seguisse seu rumo, e comeu o americano com queijo e ovo.

Conta paga, passos em direção ao carro, o americano parecia vivo no estômago. Algo de fato não estava bem. No quarto emprestado por um amigo para o pernoite, se colocou a pensar sobre a situação. E aí, uma conclusão.

Dois ou três dias antes, conversava com outro amigo, sobre todas essas questões tristes da exploração, da exploração dos não humanos, de que maneira, sentia-se irritado e intolerante com aqueles que, apesar de 'enxergarem' o problema, nada faziam, queria dizer, não deixavam de consumir carne. E, bingo!

Por inúmeras vezes, esteve na posição do seu camarada de causa na mesa do bar na Augusta. Na posição daquele que, vê algo que não concorda ser executado, porém tolera em nome de outras coisas. Uma tolerância que no seu caso, na conversa de dois dias antes, com seu outro amigo, já mostrava-se bastante desgastada. Sentiu então que estava na posição exata desses que enxergam o problema mas nada fazem: [no seu caso] concordar que galinhas e vacas são exploradas para a produção de leite e ovos e ao mesmo tempo comer um americano com queijo e ovo, mostrava-se claramente, no mínimo, incoerente. E ali, naquele momento de reflexão não houve recurso à cultura, à diversidade cultural, abordagem antropológica, que conseguisse fazê-lo mudar de idéia. Sentiu-se no lugar do outro, do outro que inúmeras vezes criticou. E por que? O que o fez nesse momento, na mesa do bar, sentir isso? Foi o olhar que estava dirigido a ele e ao seu lanche: o olhar do camarada de causa que, sem falar nada, disse tudo. Esse era o seu olhar em outros olhos. Foi observado por suas idéias. Isso o aterrorizou.

Ponderou mudar de atitude com relação ao seu consumo de queijos e ovos. O fará. A partir do próximo nascer do sol.

3 de novembro de 2009

Claude Lévi-Strauss


Lévi-Strauss, 28/11/1908 - 31/10/2009


Não posso dizer que sinto profundamente a morte de Lévi-Strauss.
Todos morrem um dia. E a expectativa da morte aumenta proporcionalmente aos anos vividos; chegar aos 100 anos é mais do que nada, esperar dia após dia o último dia. Talvez para ele, a morte tenha sido um descanso merecido. O que mais sinto é que perdemos um dos maiores intelectuais de todos os tempos, que escolheu a antropologia para pensar e criticar o homem e as relações que mantem entre si, e com todo o ambiente em que vive. Lévi-Strauss sempre foi muito mais do que as 'rígidas' estruturas a que deu vida. Seu pensamento de caráter plural, muitas vezes mal interpretado, traz à tona desde o início do século XX, problemas que dizem respeito às relações humanas, meio ambiente, relações com os animais.

E essa é minha homenagem a ele.

Para lembrá-lo, apresento os trechos abaixo, importantes para mim, que (1) foram extraídos da entrevista concedida à revista Cult (ano 10, número 110) e (2) constam em seu artigo "A lição de sabedoria das vacas loucas". Dois textos recentes, que mostram plena serenidade e lucidez, de um pensador que já contava mais de 90 anos.

(1)

Eu desejo ardentemente que as autoridades brasileiras se interessem por eles [índios nambikwara] e que deem meios para que cada grupo indígena possa prosseguir vivendo de forma independente. Evidentemente que não será da forma tradicional que eles viviam antes e que eu presenciei, mas, em todo caso, é preciso permitir-lhes escolher livremente entre o que eles querem conservar de suas tradições e de suas formas de vida e o que eles querem emprestar da cultura ocidental.

...

A questão que dominava verdadeiramente meu pensamento há muito tempo - e ainda mais nos dias de hoje - é que quando eu nasci havia 1,5 bilhão de habitantes sobre a Terra. Quando entrei para a vida ativa profissional e fui morar com os bororo e os nambikwara, dois bilhões, e agora há seis bilhões. Em poucos anos, serão oito ou nove. Aos meus olhos, esse é o problema fundamental do futuro da humanidade e, pessoalmente - embora isso não tenha importância porque eu não estarei mais aqui - , eu não vejo muito esperança para um mundo assim tão cheio.

(2)

Pode-se dizer que ainda hoje temos certa consciência daquela solidariedade primeira entre todas as formas de vida. Buscamos imprimir o sentimento dessa continuidade no espírito de nossas crianças desde cedo: nós as cercamos de simulacros de animais em borracha ou em pelúcia, e os primeiros livros de figuras que colocamos sob seus olhos lhes mostram o urso, o elefante, o cavalo, o asno, o cão, o gato, a galinha, o rato, o coelho etc. muito antes que elas os deparem realmente, como se devêssemos dar-lhes desde a mais tenra idade a nostalgia de uma unidade que logo saberão rompida.

...

O vínculo entre alimentação carnívora e um canibalismo ampliado tem conotação talvez universal e, assim, raízes muito profundas no pensamento. Ele vem ao primeiro plano com a epidemia das vacas loucas, uma vez que ao pavor de contrair uma doença letal se soma o
horror que tradicionalmente nos inspira o canibalismo, ora extensivo aos bovinos. Condicionados desde a primeira infância, decerto permanecemos carnívoros e buscamos carnes substitutivas. Não é de menos, portanto, que o consumo de carne tenha diminuído de forma espetacular: bem antes desses eventos, quantos de nós passaríamos diante de um açougue e experimentaríamos mal-estar ao vê-lo sob a ótica antecipada dos séculos vindouros? Pois dia virá em que a idéia de que os homens do passado criavam e massacravam seres vivos para se alimentar e complacentemente expunham sua carne aos pedaços em
vitrines inspirará a mesma repulsa que os repastos canibais dos selvagens da América, da Oceania e da África despertavam nos viajantes dos séculos XVI e XVII.
...


Foi um belo fim de vida.

2 de novembro de 2009

IV Semana Vegetariana da Unicamp


De 09 a 13 de novembro na Unicamp. A partir da perspectiva dos direitos dos animais, o vegetarianismo é abordado de diversas maneiras, em palestras, mesas de discussões e atividades de lazer. No blog do evento tem a programação completa. Divulgue, participe, leve os amigos!

É, fantástico...

Foi notícia nos jornais dessa semana o caso da garota que foi violentada moralmente na universidade Uniban, em que estuda turismo, em São Bernardo do Campo, pelo fato de ter ido à aula com um vestido curto.

O ato de barbárie, exige investigação e punição de culpados. A violência de gênero foi explícita: a violência ali, ultrapassou o corpo da moça. Foi contra as mulheres.

Mas, tudo isso tem sido discutido e felizmente a maioria das pessoas chega a essa conclusão quando lê as linhas das notícias. Mas, há os que contra o bom senso (e a favor de uma moral ultra conservadora), preferem extrapolar. Falo do Fantástico, da Rede Globo e da maneira como abordou a questão na edição do último domingo.

Esperava-se no mínimo uma discussão sobre a violência de gênero sofrida pelas mulheres. Pois bem sabemos, se fosse um homem com uma roupa curta, essa caça à bruxa não teria ocorrido. Mas para nossa surpresa (ou não...) o Fantástico preferiu abordar o assunto como se tratasse de sugerir onde e que tipo de roupa usar, e para tanto, chamou para falar sobre o ato de violência, barbárie, a 'consultora de moda' (!) Glorinha Kalil, que jogou nas costas da moça a culpa, devido à inadequação de seu traje naquele momento. Glorinha diz depois, que nada justifica tal violência. Mas o peso de sua primeira declaração, para mim, anula qualquer boa intenção em sua análise:

“Quando a gente põe uma roupa errada, a roupa que não combinou com o lugar que a gente foi, a gente acaba sendo lida de uma maneira que não era a que a gente gostaria. Foi o que aconteceu aqui. Olha, nada, mas nada mesmo, justifica a agressão que essa moça sofreu.”

Estou ficando paranóico? Porque, se chegamos ao ponto, de aceitarmos passivamente que veículos da 'grande' mídia afirmem em entrelinhas através da fala de uma 'especialista' em etiqueta, que um vestido curto é motivo para recriminação e violência moral, chegamos ao ponto de entregar os pontos. Apagar a luz, sair e fechar a porta.

O problema para mim não está no que disse a 'consultora de moda', mas na idéia que o conjunto da matéria representa. E o que eles quiseram dizer foi claramente isso: a moça estava errada; essa roupa, não é roupa para frequentar círculos sociais 'decentes', muito menos, roupa de uma mulher 'digna' usar; logo, a violência está justificada.

É mole?
É, fantástico...

1 de novembro de 2009

Ciclo

O ciclo é um tipo de medida: é cercar alguma coisa em uma linha temporal, atribuir o início, o fim. É invenção. O dia é um ciclo. Antes, é um 'subir'e 'descer' do sol. Se criado é, como pois, se repete? Existe algo - sim, algumas essências existem -, um movimento, para o qual lançamos o olhar, e então atribuímos números, códigos, nomes. Algo que acontece sempre independente do (melhor: desse ou daquele) olhar. Algo que se repete nas mais variadas situações. É difícil de entender (ok, aceitar). Mas há uma vantagem na repetição: conhecido o caminho, pode-se aplicar um tipo de manipulação. E talvez as coisas, sejam diferentes. E o final, feliz.

2 de outubro de 2009

Obrigado, Monique!

. Eu gosto de sebos. Gosto de 'caçar' coisas naquele mundo já vivido, já experimentado. E depois, chegar em casa e lavar as mãos, e ver a água cinza, sujeira do tempo, água cinza, impregnada de histórias.

. Eu gosto de brechós e de roupas que já viveram outras coisas que a vida na fábrica, que já sentiram outras mãos, que as mãos das costureiras, outros corpos que os dos manequins; que já foram a festas e receberam entre seus fios vinho, cerveja, saliva, sexo. Roupas que contém e contam histórias.

. Eu gosto de discos de vinil de sebos. Gosto de sentí-los, de tê-los nas mãos, de sentir o peso da arte. Gosto de procurar por riscos, com cuidado, segurando pelas bordas. Gosto de soprá-los pra tirar a poeira, pra deixá-los limpos. E gosto das dedicatórias nas capas, a marca do tempo. É comprar o Travessia, do Milton Nascimento por 4 reais, e como brinde de valor inestimável, ganhar a inscrição à mão, em caneta azul, na contracapa:

"Para você que agora está atravessando uma fase da vida, nada mais de acordo do que o exemplo de alguém que fez e faz uma maravilhosa 'Travessia'. Toda a felicidade do mundo prá você.
Monique
28-04-79"


É ler isso, e pensar, quem é Monique, quem, antes de eu nascer escreveu algo, que hoje, é para mim? Quem diria, Monique, sem te saber, sem te ver, você me tem algo a dizer. É agradecer: obrigado Monique! Amei o presente.

É uma travessia: das coisas, no tempo; as coisas ficam.

17 de agosto de 2009

A vida por um fio

É assim, de repente você recebe um telefonema que muda seu dia.
Aquela situação: você para, cancela tudo, esquece dos inadiáveis compromissos e vai ao encontro da despedida.
E é aí que, quando tudo passa, angustiado, se lembra de tantas coisas que deixou de fazer, tantos abraços que deixou de dar, tantos momentos que deixou de registrar, pensando sempre que se, hoje não deu, amanhã dará. Mas pode ser que não dê. Porque essa vida, essa vida que vivemos, vive por um fio. Vive presa num fio. Um frágil fio que pode se romper por pequenos motivos, motivos tão banais e estúpidos que chega a ser difícil de acreditar. De repente, o fim. E pronto, é isso, sem direito a contestações.

Michelle, pequena ma belle, como sempre costumava fazer na hora do bom-dia, uso agora, Beatles, pra lhe bem lembrar,

"that's all I wanto to say
until I find a way
I'll say the only words I know that you'll understand, my Michelle..."

fique bem, onde quer que esteja.

É assim a vida, está assim a vida: por um fio.

16 de agosto de 2009

Tem dias

Tem dias que a gente acorda com o mundo na mão,
tem dias que a gente acorda com medo do mundo, então
tem dias que a gente acorda não querendo acordar e
tem dias que a gente acorda querendo apagar,
tem dia, tem dias...
tem mundos...
tem tanta coisa... e hoje a preguiça é imensa,
o mundo hoje está um saco
por mim descia e ia pra outro lugar.
Ah, ilusão.

12 de agosto de 2009

C'est fantastique!

Sim, é impressionante como uma fotografia que você fez, diz tanto sobre você. E como várias fotografias que você fez, juntas, te dissecam, te exploram, dizem quase tudo sobre você! Me assustei, até.

Mas existe um limite, justamente aquele que define que esta vida é a minha e não a sua. É fácil eu perceber minhas coisas, preferências, ideologias, medos e conflitos nas minhas fotografias. Não sei até que ponto, esse discurso impresso em papel (ou contemporaneamente exposto em pixels) é capaz de dizer coisas que não se saiba a respeito do fotógrafo.

O óbvio surge, claro, é a pele, é o que salta para fora, o externado. Mas o que instiga são as entranhas, o que está dentro e não se conhece. Essa outra parte, só uma conversa com o autor pode resolver. Se não, é tudo conjuntura, especulação, psicanálise de terceira. Na melhor das hipóteses, a conversa confirma as conjunturas e hipóteses. E aí, a fotografia surge novamente como algo "revelador" e encantador.

C'est fantastique!

3 de agosto de 2009

Cecília Meireles

Despedida

POR MIM, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão,
deixo o mar bravo e o céu tranquilo:
quero solidão.

Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como conheces? - me perguntarão.
- Por não ter palavras, por não ter imagens.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.

Que procuras? Tudo. Que desejas? - Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.

A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?

Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra...)

Quero solidão.

23 de julho de 2009

Veni, vidi, vici* -tempo mano velho...

Encontrei a avó alegre, sorridente. Considerando as mazelas pela velhinha sofridas nos últimos dias, poderia afirmar que nada acontecera. Nada mesmo. Nem o tombo que lhe rasgara a fina pele das pernas, nem os ataques de insuficiência respiratória, nem as dores causadas por um coração com vasos entupidos, nem a internação na UTI, nada. Tomou as bisnetas no colo, fez carinhos, pediu fotos. Era a alegria em forma de gente. Uma beleza!

Sobre as possibilidades de tratamento da insuficiência respiratória (que agora sabia-se era causada pelo entupimento de importante vaso do coração), ou melhor, sobre a complexa possibilidade que reduzia o sucesso da cirurgia a algo em torno de dez por cento, no outro dia, na capital do estado, quem daria o veredicto era um importante médico cardiologista. Tal médico, que desentupira vasos sanguíneos de gentes importantes país afora, e até nos tratamentos do falecido último papa havia dado pitacos, animado com os dez por cento de sucesso, ou, talvez com sua experiência técnico-científica ao perceber um alargamento dessa porcentagem, disse: opera.

Daqui para frente, não tenho o que dizer, fazer, a não ser torcer para que dê tudo certo; se fosse cristão chamaria uns santos em auxílio, mas não é o caso. A cirurgia de desentupimento do coração desta vózinha (por sinal, minha última parente viva dessa linha que dá origem aos nossos pais), é amanhã.

Aí o leitor se pergunta, mas e o tempo anunciado no título, que tem a ver com o coração da vózinha e suas veias entupidas? Com razão dou motivo para o questionamento, ainda não entrei nesse assunto, mas aqui vou eu.

Durante a visita, aquela que ocorrera no primeiro parágrafo, questionada por mim sobre as possibilidades do tratamento, de uma possível cirurgia, e de tudo mais, alegremente a velhinha disse:

-Se der pra desentupir, ótimo! Se não der, tudo bem! Aí vou levando, com um "piripaque" aqui, mais um, outro mais além, até...

"até..."

A reticências está em negrito não à toa. É que está ali, disfarçada na forma de três bolinhas, a compreensão de vida que faz uma pessoa aceitar que já viveu o suficiente, bem, de um modo geral, com os altos e baixos que fazem parte do pacote, os sofrimentos e alegrias, e está preparada para o "até...". Até o que? Até o "piripaque" final, o fatal, aquele do qual ninguém volta pra contar como foi.

E o que me fez pensar em tempo, em vida, satisfação, em carpe diem, foi a risada gostosa que a velhinha soltou depois do "até...".

Ela disse, nas entrelinhas dos pontinhos da reticências: "Então, estou pronta! O que vier é lucro, e se não vier, fiquem bem vocês! 87 é um bom tanto de anos, meus amores. Criei a molecada, vi eles, homens e mulheres, terem seus filhos e netos, fiz doces e bolos para todos, fui feliz. Meu velho se foi tem um tempo e eu vou indo atrás, dia após dia. Estou bem. Satisfeita, feliz e pronta."

Foi assim que eu entendi aquela alegria toda frente à tantas coisas ruins.

É, é uma lição!

Boa sorte, vózinha.

21 de julho de 2009

De par em par

No início dos vinte anos, foi ele em busca de uma terapeuta que lhe indicasse uns florais para aliviar o estresse de um trabalho enfadante; durante a consulta, pergunta vai, pergunta vem, surgiu na conversa sua preocupação com a passagem do tempo. O cara disse:

- Sinto que o tempo vai pular, sei la, de dez em dez anos, e quando eu ver, já estarei com 30, 40, sem perceber... Entende?

Ela, utilizando do conhecimento técnico-científico das coisas da vida que sua profissão de terapeuta em florais de Bach trazia (ou simplesmente usando a situação para fazer uma auto-negação), disse:

- Não se preocupe com isso! Não é assim, você verá, tudo ocorrerá ao seu tempo, essa sensação não existe...

Receitou lá uns florais, deu umas dicas e marcou um retorno que nunca aconteceu.

Ela estava errada. Foi examente como as preocupações dele apontaram. A vida tem andado em saltos e os dias em blocos, me disse.

Lembrou-me do Cazuza: "... as vezes os meus dias são de par em par".

Me disse também que tem se sentido culpado por não perceber o tempo passar. Parece estar sentado na cadeira de um cinema esperando um filme chato acabar, à espera dos créditos e da luz para ir embora.

Fotografia de Henri Cartier-Bresson e o seu "momento decisivo".

7 de julho de 2009

Não à legitimação da barbárie!

Temos em nosso país uma Lei que é considerada modelo mundial na proteção ao meio ambiente e aos animais não-humanos. Infelizmente, nem sempre ela é acionada na proteção dos interesses daqueles que não podem se defender. Mas essa Lei (e seu artigo 32 especificamente -abaixo mais detalhes) tem sido utilizada como fundamento legal para denúncias contra maus tratos à animais não-humanos (registros de BO's, aberturas de inquéritos, etc).

O fato é que, aprovada em 1998, a Lei 9.605 corre atualmente o risco de sofrer em sua redação um corte que abrirá espaço para que não exista mais este fundamento legal no caso de maus tratos a animais domésticos e domesticados (cães, gatos, pássaros, bois, vacas, cabras, galinhas, galos, etc...).

O artigo 32, diz:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.


Está em tramitação na Câmara dos Deputados, o projeto de Lei número 4.548/1998, de autoria do deputado José Thomaz Nonô - PMDB/AL que EXCLUI deste artigo 32 da Lei 9.605 o termo "domésticos e domesticados". Ou seja, exclui animais domésticos e domesticados da abrangência da Lei. Isso é um absurdo! Vale lembrar que diversos eventos cruéis como rodeios e vaquejadas teem sido proibidos Brasil a fora com base nesta Lei (e neste artigo, em seus termos). Ou seja, a justificativa legal para a proibição destes eventos e outras formas de maus tratos vai ter que ser outra legislação, outros caminhos, ainda mais difícies de serem percorridos.

À favor dos interessados, diz o deputado:

"(...) é induvidoso que os rodeios atraem milhares e milhares de pessoas e já se constituem em verdadeira indústria de diversões. Estimulam, outrossim, todo um universo de produtos e serviços atrelados às práticas esportivas e são internacionalmente conhecidos. As festas de Barretos em São Paulo, de Uberaba em Minas, de Livramento no Rio Grande do Sul dentre outros exemplos de mega eventos e as dezenas de milhares de pequenas festas de fim-de-semana que geram emprego e renda em todo o território nacional, não podem ser ameaçadas. Tudo isso estaria em risco se a expressão "domésticos e domesticados", que aqui se pretende subtrair do caput do artigo 32, for objeto de uma interpretação genérica, elástica, que tenta alguns "ambientalistas" pouco esclarecidos." (Diário da Câmara dos Deputados, 02/06/1998)

Alguns ambientalistas pouco esclarecidos...

É claro, gritante, que trata-se do interesse econômico de grupos que promovem rodeios, e associações que praticam rinhas de galos e cães, vaquejadas, etc., tentando sobreporem-se à dor e ao sofrimento dos animais, ao direito de defesa por eles adquiridos, em uma articulação macabra pela alteração do artigo 32, que tem-se mostrado o "calcanhar de Aquiles" destes senhores em suas práticas de tortura. Não podemos permitir isto. A recente aprovação na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados do projeto de Lei 7.291/2006, que proíbe a utilização de animais em circos em todo território nacional é prova de que encontra-se em curso um processo de sensibilização e conscientização com relação aos animais não-humanos pelos corredores da justiça em nosso país. Permitir o acesso à contramão deste curso pode ser um triste caminho sem volta.

Vamos nos mobilizar contra a aprovação este projeto de Lei. E é aí que peço sua ajuda na divulgação deste texto e no contato aos deputados da Câmara pedindo que votem contra este projeto de Lei absurdo. Para fazer contato com eles, basta entrar no site da Câmara:

http://www2.camara.gov.br/internet/popular/falecomdeputado.html/

Daí selecione no campo dos nomes, "TODOS", faça um textinho e mande o e-mail. O e-mail é automaticamente enviado a todos Deputados. Pode usar fragmentos deste e-mail, sinta-se a vontade! Mas ajude nessa mobilização. Isso não leva mais que cinco minutos!

Calar-se diante disto, é calar-se diante de um claro processo de legitimação da barbárie.


27 de junho de 2009

O pop (de fato) não poupa ninguém


"Don't tell me you agree with me
When I saw you kicking dirt in my eye

But, if
You're thinkin' about my baby
It don't matter if you're black or white

I said if
You're thinkin' of
Being my baby
It don't matter if you're black or white

I said if
You're thinkin' of
Being my brother
It don't matter if you're
Black or white"

É, talvez agora ele encontre um pouco de paz.

21 de junho de 2009

"A televisão me deixou burro, muito burro demais..."

Existe uma tendência no jornalismo brasileiro, tendência que tenho observado a um certo tempo, que é a de tratar à exaustão a desgraça humana. Não falo daqueles noticiários à la Datena que tem como proposta este caráter sensacionalista; me refiro ao telejornalismo "brando", aquele do horário nobre, ou das manhãs. Um telejornalismo sensacionalista, doente, masoquista, exploratório. O que querem expor são vísceras e lágrimas. O humano precisa deixar o seu pior exposto em letras e falas. Auxiliada pelo audiovisual, a linguagem constrói a desgraça. Isto deve ser feito diariamente: assim, sendo a televisão, única janela ao mundo de muitas pessoas, esta, sob comando dos telejornais, passa a promover a realização de um mundo mal, que diariamente apresentado às 20:30h, traz durante os intervalos entre os blocos de más notícias, a imagem do belo e agradável, do desejável e tangível: TVs de plasma, carros luxuosos (ou populares), loiras gostosas e loiras geladas, a tão sonhada casa própria, as palavras confortantes do pastor ou do padre.
Não sem razão, nem por acaso, para mim, isto tudo está articulado e faz parte de um plano, um projeto. Este seria a construção de um mundo mal, um mundo onde boas notícias não são (ou o são em minoria) veiculadas. O ser humano se torna este criminoso, culpado, que constrói o mal e necessita paz de espírito; como finalidade do projeto, a aquisição desta paz de espírito, se dá através da satisfação material pessoal: a aquisição daqueles bens tangíveis que os intervalos comerciais (e não somente eles) oferecem; o cartão de crédito é libertador. E o crédito, um tipo de deus.
Mostrar as coisas boas que milhões de pessoas diariamente fazem não cairia bem aos telejornais. Afinal, vivemos em uma época onde a satisfação material pessoal é remédio para o mal estar que diariamente somos obrigados a sentir.
A solução? Construir a realidade por outros meios. De preferência, meios optativos, onde ninguém lhe diga que ser mal é normal (ou "natural") e que comprar nos faz bem. Ou que as coisas mudarão "só por deus".


"Boa" noite.

14 de junho de 2009

O Blur está de volta

É. O britrock também entrou neste movimento revival que tem feito reaparecer de Nenhum de Nós a B52's. Anunciada no ano passado, a volta do Blur trouxe alegria a estes que sacolejaram por aí, onde quer que seja, ao som de Country House ou Girls and Boys. O Blur está de volta e lança amanhã, dia 15, "Midlife: a begginer's guide to Blur". O título já entrega: o tempo passou, todos ficamos mais velhos e é preciso mostrar esta jóia que é o Blur para as novas gerações (e claro, porque isto aqui não é um conto de fadas, faturar umas libras esterlinas). Oba, vamos lá! Isso traz junto uma turnê e fico na torcida para que passe por aqui. Não este ano, seria um disparate: Radiohead, Oasis e Blur num mesmo ano -deixa um pouco do doce pro próximo. Lembro-me do dia em que o Paulão da CD Store, ligou pra mim e pediu para ir lá ouvir "a coletânea" do Blur que tinha saído. É, naquela época, as coisas eram assim, ainda. Fui na loja, ouvi, e claro, voltei com ela pra casa. É até hoje um dos meus mais queridos CDs. A partir dali, eu que tinha escolhido o lado do Oasis na "briga" midiática entre as bandas, larguei dessa tonteira e passei a curtir o Blur e comprar os discos, e virei um fã.


Vida longa ao Blur! Vida longa ao britrock!

12 de junho de 2009

Air France, voo 447

Não aguento mais ouvir falar deste acidente da Air France. Sobre isso quero dizer duas coisas.


Coisa 1

Imagino que deve ser muito difícil dar por morto alguém que ainda não morreu. E neste caso, não morreu, não porque a vida ainda não cessou, afinal, um oceano não costuma poupar quem peixe não é; não morreu porque ainda não existe a prova da morte. A prova seria um corpo, morto, sem vida. Nós, "ocidentais" temos uma relação muito complicada com a morte; a morte torna-se não só o fim da vida, mas o início de um outro tipo de relação com aquela pessoa que já não respira. E talvez, porque ainda reste (algum tipo de) relação, a coisa da morte não pode ser, dada assim, facilmente. Essas pessoas que "morreram" no acidente com o avião da Air France na verdade ainda não morreram. E continuam vivas em dois aspectos: num aspecto burocrático, pois, apesar da maioria dos corpos não terem sido localizados (e nunca serão) elas não foram dadas oficialmente como mortas pois não possuem um registro, uma certidão de óbito; sua vida burocrática ainda pulsa. Permanecem vivas também num certo aspecto psicológico, para seus familiares, amigos. Ainda resta a esperança da ilha, do nado, do milagre. E acredito que esta seja a morte mais difícil de se fazer. Porque quem ama, não quer perder; e não aceita a perda enquanto os olhos não veem a morte representada fria e implacável no corpo sem vida, ou no papel que atesta. Parar de respirar é "apenas" o fim da vida; é o início do processo de morte que cessa com a prova.


Coisa 2

Mas o que me incomoda nesta situação, não é nossa relaçãoproblemática ocidental-judaico-cristã-fantasiosa com a morte não. É esse tipo de show barato, meio decadente, que os telejornais vem promovendo em cima deste assunto: cada corpo, cada destroço encontrados (e aqui corpos e pedaços da fuzelagem do avião equivalem-se simetricamente: representam moeda para um telejornalismo sensacionalista) vira notícia de primeira mão, plantão. O IML de Recife tem sido palco de uma peça teatral protagonizada por telejornais que alocam lá links externos de transmissão, à espera da chegada dos corpos, coisa comum em portas de delegacias à época da chegada de criminosos famosos, sejam eles, traficantes, assassinos, sequestradores, estrelas do crime; a mecânica de um Air Bus virou matéria prima para infográficos diários; especialistas ocupam lugar de destaque nos espaços jornalísticos; nunca vimos na TV tantos especialistas em tempestades, raios e trovões; sem falar "naqueles que sempre perdem o voo" e que aparecem fazendo emocionantes relatos. De segunda a sexta-feira é isso. E como se não bastasse, tudo é recapitulado, exposto novamente às minúcias nos telejornais dominicais, com um toque de fina arte.
A quem interessa tanta informação? O que nos interessa saber sobre o tempo necessário para o descongelamento dos corpos antes das tentativas de reconhecimento? (Corpos estes que são transportados nos mesmos conteineres que transportam hamburgueres para o McDonald's, aqueles da Hamburg Süd; isso ninguém disse, é uma observação minha -e não quer dizer pouca coisa.) Se o reconhecimento será visual (!) ou por DNA? Se o DNA será extraído do sangue, vísceras ou cabelos dos mortos? Se o avião explodiu e depois caiu, ou se caiu e depois explodiu? Ou se não explodiu? deus do céu... deixem essas pessoas morrerem em paz! E deixem seus parentes viverem essa morte no silêncio e reclusão necessários ao conforto, à vivência deste processo. Uma boa ação de nossa parte, seria, desligar a TV. E deixar o velório rolar.

O voo 447 "bombou" no Yahoo essa semana. Mal gosto? Humor negro?

5 de maio de 2009

Radicalismo?

"É como se eu fosse visitar amigos, fizesse algum comentário gentil sobre um abajur da sala e eles respondessem: 'Bonito, não é? Feito de pele judaico-polonesa, é o que há de melhor, pele de jovens virgens judaico-polonesas.' E aí eu vou ao banheiro e a embalagem do sabonete diz assim: 'Treblinka - 100% estearato humano'. Será que estou sonhando, pegunto a mim mesma? Que casa é esta?
"E eu não estou sonhando, não. Olho nos seus olhos, nos olhos de Norma, das crianças, e só vejo generosidade, bondade humana. Calma, digo a mim mesma, você está fazendo tempestade em copo de água. Assim é a vida. Todo mundo se acostuma com isso, por que você não? Por que você não?"

J.M. Coetzee, Elizabeth Costello

5 de abril de 2009

Coexistência

Estavam lá: secos, retorcidos, queimados, no chão. Caíram já mortos provavelmente. Não tiveram tempo de fugir, se defender, negociar. Dezenas. Mortos.
Colocaram-se no caminho de um carro, no alto de uma garagem, na frente de um portão. À frente do capitalismo, do salário por hora trabalhada, dos quinze minutos de atraso intoleráveis. Inocentes, ingênuos. Nada entendem de horas, dias, calendários... não sabiam que ali onde estavam, o simples defender da prole lhes custariam as vidas.
Vespas, marimbondos. Até quando morrerá queimado, violentado, o que por motivo ou outro, cruza o caminho de um mais forte? Ou quem. Índios, judeus, Harvey Milk?
Quando ficará claro que é possível o coexistir?

11 de fevereiro de 2009

Futuro, que futuro?

Na quinta-série, questionada pela professora sobre o que esperava do futuro, Ariane respondeu: "futuro? Que futuro?".
Na época eu (juntando-me ao coro) ri. De vez em quando vejo Ariane pelas ruas. Mas ela não me reconhece mais. Mas eu a reconheço e sei que já era sábia com 11 anos.
Não acredito no futuro. O futuro simplesmente não existe. É coisa de projeção, imaginação... O futuro serve para uma única coisa: aliviar as dores do presente. É, isso é o futuro, um alívio momentâneo. Que nem chega e já passa. No futuro nada será diferente.
Talvez por isso, não faço longos planos. Prefiro o presente. E receber de presente dele, o depois.

15 de janeiro de 2009

Zoológico Humano

Ouvi Pedro Bial (que foi bom até começar com essa história de ser o tiozão do BBB) dizer que o tal Big Brother é um zoológico humano. Queria eu que de fato fosse um zoológico. E que por inversão, os zoológicos "verdadeiros", desses que aprisionam animais e onde pode-se dar pipocas aos macacos, fossem Big Brother, tal qual esse da Globo. Com direito a prêmios. Talvez o maior, o "um milhão de reais" fosse a liberdade devolvida, ou, concedida, ao animal vencedor. Mas como bicho não faz intriga, não traria ibope. E estaria fadado ao fracasso. Não daria certo! É, BBB, zoológico humano, é de fato coisa para humano.

14 de janeiro de 2009

fome.

no corpo, de corpo.

come.

e dorme, que passa.

dorme.

que a fome te come, te passa.

11 de janeiro de 2009

Homicidiar

Por um novo despertar, esse, ele
a cada noite tenta se matar:
acorda no dia seguinte igual,
faz cara-de-bunda,
lava o rosto e vai trabalhar.

a cada noite de domingo
ele tenta se matar
mas acorda na segunda
e toda segunda é igual, igual...

após os feriados,
reuniões com amigos, bares, porres,
novos casos, novas drogas: ele tenta se matar
mas é tudo igual, terrivelmente igual

não é fácil o homicídio, tão pouco se homicidiar,
morrer talvez seja bom e
sobre isso Leminsk já pôs-se a pensar.
de quase-morte em quase-morte,
uma dia de fato ele morre, e aí,
outro, é só comemorar.