12 de junho de 2009

Air France, voo 447

Não aguento mais ouvir falar deste acidente da Air France. Sobre isso quero dizer duas coisas.


Coisa 1

Imagino que deve ser muito difícil dar por morto alguém que ainda não morreu. E neste caso, não morreu, não porque a vida ainda não cessou, afinal, um oceano não costuma poupar quem peixe não é; não morreu porque ainda não existe a prova da morte. A prova seria um corpo, morto, sem vida. Nós, "ocidentais" temos uma relação muito complicada com a morte; a morte torna-se não só o fim da vida, mas o início de um outro tipo de relação com aquela pessoa que já não respira. E talvez, porque ainda reste (algum tipo de) relação, a coisa da morte não pode ser, dada assim, facilmente. Essas pessoas que "morreram" no acidente com o avião da Air France na verdade ainda não morreram. E continuam vivas em dois aspectos: num aspecto burocrático, pois, apesar da maioria dos corpos não terem sido localizados (e nunca serão) elas não foram dadas oficialmente como mortas pois não possuem um registro, uma certidão de óbito; sua vida burocrática ainda pulsa. Permanecem vivas também num certo aspecto psicológico, para seus familiares, amigos. Ainda resta a esperança da ilha, do nado, do milagre. E acredito que esta seja a morte mais difícil de se fazer. Porque quem ama, não quer perder; e não aceita a perda enquanto os olhos não veem a morte representada fria e implacável no corpo sem vida, ou no papel que atesta. Parar de respirar é "apenas" o fim da vida; é o início do processo de morte que cessa com a prova.


Coisa 2

Mas o que me incomoda nesta situação, não é nossa relaçãoproblemática ocidental-judaico-cristã-fantasiosa com a morte não. É esse tipo de show barato, meio decadente, que os telejornais vem promovendo em cima deste assunto: cada corpo, cada destroço encontrados (e aqui corpos e pedaços da fuzelagem do avião equivalem-se simetricamente: representam moeda para um telejornalismo sensacionalista) vira notícia de primeira mão, plantão. O IML de Recife tem sido palco de uma peça teatral protagonizada por telejornais que alocam lá links externos de transmissão, à espera da chegada dos corpos, coisa comum em portas de delegacias à época da chegada de criminosos famosos, sejam eles, traficantes, assassinos, sequestradores, estrelas do crime; a mecânica de um Air Bus virou matéria prima para infográficos diários; especialistas ocupam lugar de destaque nos espaços jornalísticos; nunca vimos na TV tantos especialistas em tempestades, raios e trovões; sem falar "naqueles que sempre perdem o voo" e que aparecem fazendo emocionantes relatos. De segunda a sexta-feira é isso. E como se não bastasse, tudo é recapitulado, exposto novamente às minúcias nos telejornais dominicais, com um toque de fina arte.
A quem interessa tanta informação? O que nos interessa saber sobre o tempo necessário para o descongelamento dos corpos antes das tentativas de reconhecimento? (Corpos estes que são transportados nos mesmos conteineres que transportam hamburgueres para o McDonald's, aqueles da Hamburg Süd; isso ninguém disse, é uma observação minha -e não quer dizer pouca coisa.) Se o reconhecimento será visual (!) ou por DNA? Se o DNA será extraído do sangue, vísceras ou cabelos dos mortos? Se o avião explodiu e depois caiu, ou se caiu e depois explodiu? Ou se não explodiu? deus do céu... deixem essas pessoas morrerem em paz! E deixem seus parentes viverem essa morte no silêncio e reclusão necessários ao conforto, à vivência deste processo. Uma boa ação de nossa parte, seria, desligar a TV. E deixar o velório rolar.

O voo 447 "bombou" no Yahoo essa semana. Mal gosto? Humor negro?

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