2 de dezembro de 2009

Sobre como se perceber observado - e se aterrorizar

Foi após um dia de discussões sobre direitos de animais não humanos, ou melhor, da violação a direitos já garantidos, que resolveu comer algo em um bar qualquer da rua Augusta, na companhia de um camarada da causa. Pediu então um suco de laranja e um americano (não sem antes perguntar ao garçom, o que 'vinha' no lanche; após a lista dos ingredientes, eles, pão francês, presunto, ovo, queijo, alface e tomate, pediu então que fosse subtraído o presunto).

A conversa seguia; o suco chegou, depois o lanche, na sequência o mal estar.

Algo não estava bem. E tinha a ver com o queijo e com o ovo do americano, ele sabia. Não que sua companhia tivesse em algum momento deixado transparecer algum tipo de intolerância quanto ao consumo daqueles produtos após um dia de discussões sobre como precisamos repensar isso; muito pelo contrário, dentre os que conhecia que abstinham-se do consumo total de produtos de origem animal, esse que dividia com ele a mesa, era dos mais tranquilos. Sabia que naquele momento a nenhuma conclusão chegaria, deixou então que a conversa seguisse seu rumo, e comeu o americano com queijo e ovo.

Conta paga, passos em direção ao carro, o americano parecia vivo no estômago. Algo de fato não estava bem. No quarto emprestado por um amigo para o pernoite, se colocou a pensar sobre a situação. E aí, uma conclusão.

Dois ou três dias antes, conversava com outro amigo, sobre todas essas questões tristes da exploração, da exploração dos não humanos, de que maneira, sentia-se irritado e intolerante com aqueles que, apesar de 'enxergarem' o problema, nada faziam, queria dizer, não deixavam de consumir carne. E, bingo!

Por inúmeras vezes, esteve na posição do seu camarada de causa na mesa do bar na Augusta. Na posição daquele que, vê algo que não concorda ser executado, porém tolera em nome de outras coisas. Uma tolerância que no seu caso, na conversa de dois dias antes, com seu outro amigo, já mostrava-se bastante desgastada. Sentiu então que estava na posição exata desses que enxergam o problema mas nada fazem: [no seu caso] concordar que galinhas e vacas são exploradas para a produção de leite e ovos e ao mesmo tempo comer um americano com queijo e ovo, mostrava-se claramente, no mínimo, incoerente. E ali, naquele momento de reflexão não houve recurso à cultura, à diversidade cultural, abordagem antropológica, que conseguisse fazê-lo mudar de idéia. Sentiu-se no lugar do outro, do outro que inúmeras vezes criticou. E por que? O que o fez nesse momento, na mesa do bar, sentir isso? Foi o olhar que estava dirigido a ele e ao seu lanche: o olhar do camarada de causa que, sem falar nada, disse tudo. Esse era o seu olhar em outros olhos. Foi observado por suas idéias. Isso o aterrorizou.

Ponderou mudar de atitude com relação ao seu consumo de queijos e ovos. O fará. A partir do próximo nascer do sol.

Um comentário:

  1. Rafinha, perceber-se fazendo o mesmo que outrora criticou deveras em outrem só atesta a nossa arrogância como seres pensantes...a mesma arrogância que nos fazer pensar que a natureza serve-nos a nosso bel prazer...é muito importante perceber a arrogância humana do pensar, para fazer cada vez mais e demonstrar a crítica com ações, muito mais que palavras...

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