10 de fevereiro de 2010

Ninguém vai a um hospital passear -ou "I don't want to follow death and all of his friends"

Meu retorno àquele ambulatório de quimioterapia, local onde há pouco mais de um ano fazia visitas como acompanhante de minha avó, deu-se por conta de uma doação: algumas revistas para os pacientes que pacientemente passam horas recebendo poderosos produtos químicos em suas veias e que para esquecer de onde estão, do que sofrem, precisam se distrair, ler. O tratamento de minha avó não funcionou. Presenciei um processo lento, doloroso e injusto, no qual um câncer consumiu primeiro seu frágil espírito e depois, insatisfeito, seu forte corpo.

Ao entrar na sala onde os pacientes recebem a medicação intravenosa revi e lembrei-me daqueles rostos familiares, médicos e enfermeiros. Eu -em um processo unilateral- os reconheci. Por parte deles, eu era mais um estranho: talvez um acompanhante em busca de algum paciente ou simplesmente alguém que quisesse saber onde era o banheiro.

Uma sensação incômoda tomou conta de mim. Senti-me traído. Como se naquele momento, tivesse assumido a pessoa de minha avó frente àquelas pessoas: enquanto eu, "morta", tinha abandonado essa vida depois de muita dor e sofrimento, ali, para aquelas pessoas que propuseram me salvar, tudo continuava igual: os mesmos medicamentos, a mesma rotina, mais pacientes, mais casos. Senti-me traído. Estavam todos ali, trabalhando normalmente, alguns já prontos para o almoço, outros, chegando para assumir seus postos. Não entendo ao certo o porque, mas o que senti foi a dor de uma traição. Lágrimas vieram aos olhos.

Quando rapidamente deixei o lugar, um mal estar tomou conta de meu corpo. A sensação de traição continua e vem à tona quando lembro-me daqueles rostos sorridentes, e da dor de minha avó. Talvez se não nos propuséssemos a à qualquer custo prolongar a vida, e mais, a acreditar que a vida deve ser prolongada, sentissemos menos dor; talvez não sobraria estado para a sensação da traição cometida por aqueles que não conseguem salvar uma vida, esses que falham.

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